segunda-feira, 13 de julho de 2009

O DESTINO DE EHLISIANN

RECANTO DAS ALMAS

Capítulo 0008

O que poderia acontecer de importante em lugar tão pequeno como Recanto das Almas? Em lugares assim, realmente não acontece qualquer coisa que pelo menos seja digno de nota. Tinha um pouco mais de mil habitantes. Em verdade, segundo os moradores que se preocupavam com o censo, mil duzentas e dezesseis pessoas ali habitavam, espalhadas pelo "centro" e pelos morros e arrabaldes vizinhos. Sempre houve uma boa distribuição de gente em seu espaço territoria, aumentando ainda mais a sensação de despovoamento. A vida seguia em seu marasmo, o que contagiava seus moradores, mas sem ser negativista.
Bem, talvez no "centro" da vila, onde umas cincoenta casas bem alinhadas e algum pequeno comércio, este estado de letargia era amenizado; talvez quando aconteciam as festas na igreja ou com o falecimento de alguma figura mais imprtante do lugar fornecessem matéria para as senhoras "puxarem" conversa; talvez a visita de algum político influente da capital viesse com promessas que nunca seriam cumpridas, mas deixando as pessoas simples com esperanças; talvez um acontecimento fortuito, como secas ou enchentes, que seriam o diferencial proporcionado pela natureza. Em qualquer uma destas situações, aquele lugar se diferenciava, e havia razões de sobra para fazer e comentar fatos diferentes.
Para um lugar que começara com um loteamento na década de 30, já estava muito bom. Por esta época, os governantes resolveram doar glebas de terra para assentamento em um lugar de difícil acesso e muito montanhoso. Aliás, naquela época não havia a figura dos sem terra mas sim a dos sem trabalho. Já se sabia que os colonos, assim que se estabeleciam, mesmo que precariamente, iniciavam o plantio e as construções, mesmo sem praticamente ajuda alguma do governo.
Ora, assim que foi anunciada a medida, acorreram à junta de distribuição de terras os Ferrini, os Carmona, os Batchiavo, os Argenti, os Muller, os Dhaller, os Fisher, os Silva, os Cordeiro, os Correa, enfim agricultores que já eram acostumados com a lida do interior mas necessitavam de terras para plantar e sobreviver. Eles eram provenientes de cidades próximas diríamos, "desenvolvidas" e que possuíam sua área rural estabelecida e dominadas por uma agricultura de fazendeiros com um certo poder. Por isso, cerca de 50 famílias atenderam esta oferta governamental.
Essa mescla de italianos, alemães, brasileiros e mais algumas nacionalidades é que fazia com que Recanto das Almas "prosperasse" ou pelo menos não fosse abandonada desde seu início. Cincoenta anos depois de seu início como vila, apresentava ainda as características básicas de seus fundadores, com festas as mais variadas, uma culinária diversificada e uma disposição para o trabalho sempre constante.
Mas os tempos eram outros e a vida seguia seu destino. As necessidades modernas se faziam clamar para aquelas pessoas: estrada, telefone, escola, hospital e até polícia já se pensava em pedir aos políticos.
Mas o principal era o acesso rodoviário. O antigo caminho que o governo executara lá pela década de 30 fora melhorado pouco a pouco, mas ainda era muito precário. Em dias de chuva, intransitável; em dias de sol, a poeira era terrível. Político que se prezasse e quizesse ganhar uns votinhos do povo, tinha que prometer o calçamento ou o "asfalto".
Recanto das Almas seguia se destino. Sonhando. Mas no fundo era feliz.

Depois eu volto.

sábado, 11 de julho de 2009

O DESTINO DE EHLISIANN

UM DIA QUASE IGUAL AOS OUTROS



Capítulo 0007



Mas a vida continuava e decorreram dois dias. Ehlisiann, em casa, pensava no vendedor e na vida que ele provavelmente levava. Afinal, a cidade dele era diferente, muito diferente. As pessoas eram outras, as coisas, as situações e movimentos eram distintos. E foi com estas idéias em sua mente que ela dirigiu-se ao centro. Em sua pequena "cidade", esta denominação era dada ao conjunto de cinco ou seis ruas, umas cinquenta casas e que distavam cerca de 2km do sítio dos Dhaller de Cordeiro. Para chegar lá, ela atrelava o cavalo na "aranha" ou ia a pé.

Isto era para ela uma alegria. Tinha todo o tempo do mundo e sair da rotina era muito bom. Chegou por volta das dez horas.

- Olá, seu Marquinhos!

O seu Marquinhos era o proprietário da única mercearia de Recanto das Almas. Pessoa muito "dada", como todo bom comerciante. Estabelecera-se em Recanto das Almas havia alguns anos, vindo com uma pequena experiência de comércio na capital. Na verdade, era uma situação que seu médico havia recomendado, para aliviar o estresse de uma vida muito corrida. E assim ele tocava tranquilamente seu negócio. Ora, em um lugar no qual a maioria das pessoas era de uma honestidade a toda prova, tudo andava bem. Era um homem bem humorado e confindente de notícias caseiras.

- Tudo bem, Ehlisiann, respondeu ele.

- Seu Marquinhos, hoje eu vim de aranha, porque a mãe encomendou algumas coisas. O senhor pode marcar no caderno, que no fim do mês ela acerta tudo. Tá bom?

- Sem problema algum, respondeu ele.

Recolheu as mercadorias, despediu-se e saiu conduzindo a aranha. Seguiu na direção rua acima, aonde ficavam a farmácia e a igreja. Foi então que notou, estacionado em frente da farmácia, um carro com placa "de fora". Na verdade, era da capital. Parou a aranha e ficou observando por um momento. E quem se aproximou do carro logo a seguir era ele, o vendedor que estivera em sua casa. Ao passar ao lado do veiculo, ele a cumprimentou:
-Bom dia, senhorita!
Para ela naturalmente, foi uma pequena surpresa. Em um lugar tão pequeno, receber um cumprimento de uma pessoas estranha não era comum. Mas ela notou que ele a havia reconhecido de seu primeiro contato. Ou então assim pensava.
- Bom dia, moço. Como vão os negócios?
- Pois olha, estou até surpreso aqui em Recanto das Almas. As pessoas são acolhedoras e é possível vender minhas utilidades. Aliás, é até possível que eu tenha de voltar. Estou te reconhecendo, és a garota que mora naquela fazenda, onde estive há dois dias, certo? Me perdoa se esqueci do teu nome. O meu é Alberto Morais de Gianni, mais todos me chamam de Morais.
A conversa dele tinha sido direta.
Ela então não se fez de rogada. Foi dizendo: Ehlisiann Dhaller de Cordeiro, me tratam por Lisa. Era da parte dela, um morador daquele lugar, uma atitude ousada o fato de manter este diálogo com um estranho.
- O senhor vai voltar para a cidade hoje?, perguntou.
- O dever me chama, disse ele. Mas qualquer dia eu volto.
- Então, tchau, disse ela, tocando a aranha. Até mais ver.
- Tchau, disse ele. Tudo de bom prá ti.
E ela tomou o caminho da fazenda. Este não tinha sido, para ela, decididamente, um dia igual aos outros.

Depois eu volto.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O DESTINO DE EHLISIANN

ALGUÉM DIFERENTE

Capítulo 0006

Dá para imaginar o que se passa em uma moça do interior ao entrar em contato com um estranho, ainda mais sendo "da cidade". É claro que o nervosismo vem em primeiro lugar e a seguir a curiosidade. Ehlisiann era acima de tudo uma garota "esperta".
- Como você se chama?, perguntou ele. Era uma abordagem rápida, de maneira direta, ignorando momentaneamente a presença de dona Lane, que poderia ter causado um "frisson"em outra pessoa que não fosse Ehlisiann. Acontece que até parecia ter ela se preparado há tempos para um encontro assim.
- Ehlisiann, respondeu, sem tirar os olhos do rapaz.
Não era ainda propriamente um diálogo. Mas da maneira informal como estava sendo, sem apresentações, poderia ser o prenúncio de algo diferente.
- A moça não quer escolher um perfume? Talvez um presente para alguém mais conhecido? Estou em sua casa para alegria da família. Podemos fazer um crediário, um preço justo. A nossa empresa gosta de atender todos da maneira mais correta possível, podem crer.
O moço ao falar comportava-se de maneira cordial, sem agredir ou oferecer com muidto empenho seus produtos: roupas, perfumes, bijuterias, porta-retratos, brindes os mais variados, etc. Era com se a profissão dele fosse apenas temporária e ele estivesse invadindo o dia-a-dia das pessoas. Dirigia-se a ela sem baixar os olhos, como uma maneira de dizer que estava sentindo-se em companhia agradável naquele ambiente. E foi assim que ele contou um pouco de sua história: porque se tornara um vendedor, sua esperança na evolução da empresa, o gosto que tinha por coisas do interior. Era como se afirmasse: estou apresentado.
Ehlisiann ouviu aquilo interessada. Afinal, era uma ocasião rara de escutar alguém de idéias nova, de um lugar mais distante e progressista.
Depois que ele terminou seu colóquio, ela pediu licença e escolheu coisas simples para comprar: uma blusa, dois porta-retratos, e um jogo de louças. Não mais que isso ela necessitava para o seu cotidiano. Dizendo bom dia, alegou que possuía tarefas para fazer naquela manhã, retirou-se não sem antes olhar com atenção para o estranho.


Depois eu volto.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O DESTINO DE EHLISIANN

UM ENCONTRO CASUAL



Capítulo 0005



Por aquelas bandas realizar uma viagem era difícil e caro. Dinheiro, havia pouco. As distâncias eram longas e na verdades longas demais para os padrões daquelas pessoas simples. Os meios de transporte eram inadequados.

Mas nada disso impedia que Ehlisiann pensasse que um dia, talvez, pudesse "sair de casa". Para ela, seus pensamentos estavam prestes a se tornarem realidade. Para alguém que estava sempre à frente de seu lugar, ainda não sabia que os acontecimentos a ajudariam neste afã. Um dia iria acontecer, e aconteceu.

- Ehlisiann, vem cá, chamou a mãe!

- A senhora Lannelva Dhaller, a dona Lane, chamou a filha mais uma vez naquele dia. Sabia do bom comportamento da filha e do pronto atendimento. Para uma pessoa nascida e criada naquele pequeno mundo, ter uma filha obediente era o normal. Os pais, em sua maioria, punham a "mão no fogo" pelos filhos. E assim era com Ehlisiann. Namorado para ela, bem, dona Lane achava que ainda não estava na hora, apesar de seus dezenove anos. De qualquer maneira, Ehlisiann cumpria as tarefas diárias com satisfação e ajuda sobremaneira na manutencão da propriedade e na educação dos irmãos menores.

- Já vou, mãe!, respondeu ela. Falou em voz baixa, e seu pronto atendimento era uma marca registrada. Chegou rápido, entrando na cozinha pela porta dos fundos, e adentrou a sala.

Sentou e falou: pois é mãe, vamos ter que arrumar mais água para os canteiros. Está ficando difícil deixar tudo verdinho. Alguma coisa prá mim?

- Minha menina (dona Lane gostava de chamá-la assim, achava que ela era ainda uma menina), hoje é um dia diferente. Estamos recebendo a visita de um moço, que veio nos mostrar novidades da cidade. Como tu és muito prendada, pode escolher uma roupa bonita para ti.

O que dona Lane queria dizer com isto é que o seu presente para a filha seria dado de bom gosto, dentro de suas poucas possibilidades.

Foi só então que Ehlisiann o percebeu. Estava sentado em uma cadeira junto à mesa um moço um pouco diferente daqueles que ela conhecia. Já havia percebido de antemão que era um moço da cidade: pela postura, cabelo bem cortado, mãos finas. Era um vendedor.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

O DESTINO DE EHLISIANN

VIVENDO NA FAZENDA

Capítulo 0004

Denominar a propriedade dos Dhaller de Cordeiro era um exagero. Eram apenas dez hectares de terra, incluindo aí as partes mais altas, aonde só era possível manter um pouco de floresta nativa para que não faltasse lenha para o fogão. A água, vinha de um poço a trinta metros da casa, para evitar qualquer problema. Se faltasse, havia sempre a cooperação dos vizinhos. Mantinham cerca de dez chiqueiros, cinco vacas leiteiras e plantavam algum milho e muitas "verduras" nas hortas. Viviam da venda dos mesmos e na mesa deles sempre havia o suficiente para o consumo da família. Era uma luta diária: colher, adubar, tirar leite, colocar no vasilhame, levar para a feira ou vendê-lo para os maiores proprietários. Ao final, era tudo revendido para lugares maiores e bem mais distantes.
Ora, quem se "cria" em um ambiente assim, estará automáticamente condicionado para a sua vida de poucas opções. Mas os grandes mestres da moderna psicologia de auto-ajuda sabem e recomendam que a maneira mais correta de evolução pessoal é pensar positivo. É coerente afirmar-se que os "bons fluidos"emanados de uma pessoa atraem fatos e coisas boas para o seu dia-a-dia e também para quem dela se acerca.
Para aquela jovem do interior, que não possuía a menor noção sobre filosofia de vida, que vivia de uma maneira simples e lutadora em uma fazendola, mas que praticava ao natural um espírito positivista, o futuro promissor haveria de vir de forma inesperada. Isto é tudo que alguém pode desejar e certamente acontecerá, se o buscou mentalmente durante o tempo todo, de maneira natural ou programada.

Depois eu volto.

sábado, 27 de junho de 2009

O DESTINO DE EHLISIANN

Capítulo 0003

DE ONDE VIM E PARA ONDE VOU?

O nosso destino é praticamente traçado desde o nosso nascimento. Isto naturalmente em linhas gerais. Nós poderemos mudá-lo, parcialmente, se houver por parte de nós um pouco de força de vontade. Tudo bem. Não afirmei nada de mais.
Pois bem. Aqui nós estamos contando um conto, uma história.
Hoje, depois de tudo que sucedeu, é bem mais fácil analisar o porquê dos fatos.
Quando se comenta a História, seja por épocas curtas ou longas, a vida de cada um dos que se destacaram nas ciência as mais variadas, fica fácil comentar e mudar o rumo dos acontecimentos. Como nunca se viveu o o dia-a-dia, é prático e fácil analisar: se fulano tivesse agido assim assado, tudo teria sido diferente, se determinado chefe de estado não houvesse participado da guerra, o mundo seria bem diferente, etc. etc. etc. Muito fácil depois que tudo aconteceu.
Voltemos aos detalhes da vida de Ehlisiann.
Nascida e criada em Recanto das Almas, um lugar "esquecido do mundo", jamis poderia esperar no futuro de sua vida grandes promessas. O destino a colocara "contra a parede", pois servia de amparo para seus pais e irmãos e a "luta pela sobrevivência"fazia parte de uma rotina inadiável e insubstituível como meio de "ganhar dignamente a vida".
Vivia e se comportava na vida "dançando conforme a música". Era uma rotina de lidas bastante trabalhosas? Era. Ela era de importância primordial para a sua família? Era. Poderia pensar que um dia qualquer, em um futuro lá longe, seu jeito de ver as coisas seria importante para isso? Sim e não. A vida era assim mesmo, muitas iguais a ela confirmavam isso, e fim de papo.
Mas pelo sim, pelo não, ela era como um esteio e esperança para toda a família. Sendo a primogênita, seus irmãos dependiam do que diretamente ela fizesse ou de suas atitudes. Não podia se dar ao luxo de errar. Tudo isto a colocava em uma situação ambígua: ou seguia o seu próprio destino ou destinava boa parte do seu tempo para que os seus almejassem uma melhor condição mais a frente.
De outro modo, o seu intelecto era a sua válvula de escape. Haveria de encontrar uma solução que agradasse a todos, significando para ela que na vastidão do mundo seu lugar estava reservado e seria dos melhores. O fato de sempre querer o melhor para si em conjunto para com os seus, era como uma construção contínua de uma aura bastante positiva.



Depois eu volto.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

O DESTINO DE EHLISIANN

O DESTINO DE EHLISIANN

Capítulo 0002

Na verdade, a função de ser criativo é parte da capacidade humana e é nobilíssima. Pode nos tornar, ao menos internamente, livres e felizes. Mesmo que ao nosso derredor o mundo insista em seu rumo incerto e complicado.
Ehlisiann era uma pessoa assim. Sempre pensava e meditava como num conjunto. Esta atitude tornara-se para ela ao longo de poucos anos uma filosofia de vida. Gente como ela, que podia pedir ajuda dentro de si para as questões de sua vida, sendo complexas ou não, tem capacidade de discernir entre o certo e o errado, entre o bem e o mal, o tangível e o impossível e principalmente entre o alcançável e o seu próprio futuro.
Então estava ela ali parada, com o seu olhar divagando e a mente viajando. Seus pensamentos eram por demais abrangentes e longíquos. Indagava-se sobre a simplicidade de sua vida. Sem dúvida existiria um mundo multicolorido e bem mais complicado longe de seu vilarejo: a fértil natureza humana certamente havia se encarregado de construir e distribuir fatos e coisas completamente alheias a sua minúscula realidade.
O mundo exterior era imenso. Ela sabia. Grandes cidades em um movimento intenso. Obras grandiosas, vida que fervilhava ininterruptamente. Ela havia visto e lido em algumas revistas grande série de fatos, com muitas fotos de todos aqueles acontecimentos e muitas outras coisas que considerava como extraordinárias: os grandes feitos dos generais, atletas, pintores, escritores, escultores, governantes, etc... Enfim, tinha uma boa noção acerca das grandes obras de engenharia humana e da natureza profícua do universo. Sabia ela da existência de muitos, milhares de outros lugares: nações, costumes, mares, montanhas. A imaginação de Ehlisiann era fertilíssima.

Depois eu volto.